quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sobre Spinoza, Einstein e Deus

De: Jonas Rabinovitch (Jornal de Letras, Setembro/2011)

"O Diabo pode citar a Bíblia para atingir seus propósitos." (William Shakespeare)


Perguntaram para Einstein se ele acreditava em Deus. Ele respondeu: "Acredito no Deus de Spinoza." Fiquei curioso e fui pesquisar: "Que Diabo de Deus será esse?" Não entendo muito de filosofia, mas sei que cada filósofo reflete seu tempo e sua história.

A filosofia de Baruch Spinoza também reflete sua história: filho de judeus Portugueses que migraram para a Holanda fugindo da Inquisição, ele nasceu em Amsterdã em 1632. Foi expulso da sinagoga local em 1656, aos 34 anos. Os protestantes também o desterraram como blasfemador contra as sagradas escrituras. Se ele vivesse hoje em dia, poderia ter sido expulso da Igreja do Reino de Deus, do Programa do Faustão e da torcida do Flamengo ao mesmo tempo. Um grande sujeito. Gostaria de ter tomado uma cerveja com ele.

Spinoza viveu no momento de transição entre o medieval e o moderno. Ele percebeu que os avanços da ciência estavam transformando o todo-poderoso Deus medieval em uma entidade obsoleta. Ele foi talvez o primeiro a perceber que a felicidade não é uma questão de sorte, mas de consciência. Até hoje, muita gente ainda joga na loteria sem perceber isso. Spinoza descreveu uma sociedade secular, liberal e democrática pelo menos 100 anos antes que o mundo produzisse um exemplo concreto disso. Vivendo 200 anos antes de Darwin, ele entendeu que o design da natureza evolui através de processos que não dependem de um designer. Spinoza finalmente propôs um Deus que não está acima da natureza, mas que faz parte dela. Entendi, então, a admiração de Einstein.

Einstein acreditava num Deus que se manifesta na harmonia ordenada do que existe na natureza e não num Deus que se preocupa com o destino e as ações dos seres humanos. Mas isso responde apenas parte da pergunta. Afinal, o que rege o destino e as ações dos seres humanos? Essa parte que não interessava a Einstein me interessa muito. Einstein escreveu seu famoso artigo sobre a Teoria da Relatividade em 1905. Ele viveu no momento de transição entre o moderno e o contemporâneo. Ele propôs o mais atual modelo físico para o universo, muito antes de inventarem a televisão, o fax, a copiadora, o computador, a internet e as escolas de samba. Mas será que a gente vive melhor hoje por causa disso?

A Física Quântica, por exemplo, evoluiu muito nos últimos trinta anos. Mais recentemente, físicos e místicos tentam alinhar as teorias físicas de Einstein sobre espaço, movimento e tempo com as teorias da física quântica que estudam o comportamento caótico da matéria num nível microscópico. A idéia básica é a seguinte: tudo está conectado. O que acontece ou não acontece nas nossas vidas tem muito mais a ver com a forma como nos relacionamos com os outros do que com algum ser divino que viva nas alturas. Mas, por via oral e por via das dúvidas, rezamos para o macro e damos remédios para o micro.

Resumindo: tem gente que não liga para os outros, mas sabe a Bíblia de cor e salteado e acha que Deus gosta deles por causa disso. Tem gente que tem tudo o que tem porque mentiu, enganou, trapaceou os outros, mas rezam com fervor e acham que Deus gosta deles por causa disso. Tem gente que faz negociatas com o espiritual para conseguir o material e acham que Deus gosta deles por causa disso.

Por outro lado, tem gente que fica melhor porque acredita num Deus, qualquer que seja seu nome. Respeito todos. Pessoalmente, sou budista, judeu, ateu, cristão, espírita, muçulmano, umbandista, confucionista, confusionista, equilibrista, agnóstico, diagnóstico, prognóstico, não necessariamente nessa ordem. Acho que Deus entende tudo, até as diferenças entre as religiões. espero que ele goste de mim por causa disso.

Podemos discordar sobre Spinoza, sobre Einstein e sobre Deus, mas como brasileiros trabalhando por nossa cultura, isso não nos impede de tentar transformar o mundo na extensão da nossa casa e nossa casa na extensão do mundo. Se Spinoza aparecesse hoje por aqui ele certamente seria bem-vindo para tomar uma cervejinha com a gente.